O corpo sem a alma é como os pés sem o caminho

Dali Les elephants posters

"Les Elephants", por Salvador Dali

Porque não fingir um outro espaço?, um outro riso?, um outro ar que se respire? Porque não um alheamento do mundo objectivo que se vive todos os dias?

Um estado transitório no corpo, uma outra alma, um outro céu.

Os organismos fáceis revigoram nesta amálgama de dúvidas. Os outros..., os outros surpreendem-se com a luz e morrem sob um sol qualquer que descobriram.

Reescrevo uma esperança perdida. E nela me encontro deficientemente renovado. Perco a minha alma, não sinto fluir já o vento que senti quando era minha.

O corpo sem a alma é como os olhos sem a luz ou os pés sem o caminho. Anda à deriva e perde o norte das estrelas. Ganha outro, enganoso, que lhe faz mal à calma do espírito.

É assim o meu corpo nesta hora: destinado à deriva eterna, caso a alma não lhe flua aos olhos.

Fico impaciente com a demora e, enquanto espero, faço das palavras o meu caminho bussolado. Os meus sentidos lêem na folha branca as frases escritas ainda não decalcadas. Mas é mais dos olhos que me queixo, é mais desta paisagem em falta que me lembro, destas ervas e destes passos de areia quando a terra é quase mar, de tudo o que não vejo e sinto que me falta.

Quando dou por mim com as mãos escorrendo as faces - e me lembro daquilo já perdido - revogo o desejo de uma sede perdida e morta.

Porque a sede que matei não é a mesma fome de água que tive ontem. Foi sede passageira que esqueci e, agora submersa num organismo sem alma, de nada lhe vale o prazer que fez sentir a quem dela se saciou.

JEO

1 comentário:

  1. Mas se a alma for opaca, o corpo caminha baço...

    O blog está muito bom. Continua.

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