O silêncio veste-se do dia. Por isso não se vê quando é olhado

Oak Arches

Quando o silêncio é verdadeiro, o Mundo vibra. O silêncio faz rodar o Mundo. Estremecer. Fá-lo girar, vezes que ninguém conta, à volta dos astros e de si próprio.

O Universo está cheio de silêncio. A pigmentação escura do astro sulcado de estrelas é a verdadeira cor desse silêncio, visceral destino das nuvens no outro lado do dia, história fantástica na órbita rente dos planetas em volta de todos os sóis que se não vêem, mas que estão lá, aqui, neste Universo que também é o das trevas, do mar e dos homens.

O silêncio veste-se do dia. Por isso não se vê quando é olhado.

O espaço sem som é o mundo despido, de frente para a Lua, nua também, e sem vergonha. Tem vergonha quem ouve os ruídos e sente neles música transparente revelando o seu corpo desprotegido frente ao espaço, cara a cara com as coisas simples.

Respirar o silêncio é estar calado, é ver crescer uma árvore ou uma manhã e acompanhar o movimento dos ramos e da névoa sem tomar fôlego ou fechar os olhos. Ver as coisas crescer é ser as coisas que crescem, é ser como elas, silenciar o corpo e evoluir.

Levantar-se é crescer em silêncio. É respirar sem suor nem esforço. Levantar-se é ser simples como o Sol: dar luz e ser feliz com isso. Sim. Ser feliz. Ser feliz em silêncio, sem vento nem palavras.

E estar parado?

Estar parado também é ser Sol, e dar luz por isso. Porque ser-se Sol é não se mexer. É ser uma pedra no campo à espera da chuva do inverno, e ser uma pedra no campo à espera do calor de julho ou de uma mão que nos lance até mais além, para dentro da água daquele ribeiro, ali ao fundo. Ser parado é ser pedra submersa neste ribeiro ou naquele mar que os livros me ensinam. É ser a geografia toda, sendo pedra, é ser todas as palavras, sendo letra.

O silêncio é isto: uma mão que se fecha esperando os dedos dormentes, para se abrir, de novo, projectando os dígitos todos à luz do dia em que isso aconteceu.

JEO

2 comentários:

  1. Para o blog silencioso, com um mínimo de considerandos:

    Existe uma tranquila utilidade na adesão a grandes padrões de crenças que são geralmente partilhados pelos nossos interlocutores sociais quotidianos.

    Quem pensa que “respirar o silêncio é estar calado”, deverá, provavelmente, partilhar a crença do despojamento espiritual que rejeita a baixeza do falso comando, da frustração e da derrota da pesquisa sádica da praxe – rejeição que para uns é sonora, para outros silenciosa.

    Salò

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  2. O silêncio é uma conquista, solitária, dolorosa. O silêncio só se alcança depois de muito ruído, até à insuportabilidade, até ao quase esquecimento de uma palavra, de outra palavra; até à eprda do sentido do dizer, do dizer-se. Só mais tarde, muito mais tarde, surge o vazio todo, no seu esplendor: é por isso que nos encanta e resgata para esse canto onde a dor e o mundo, e toda a sua dor e beleza, se (re)velam. E é aí que a palavra, o Verbo fundador, se dizem com mais clareza. "Pandora"

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