Quando a morte vem do mar

Veio uma onda e levou-me. E um sopro forte, forte demais, abalou tudo o que eu via. O chão que pisava fugiu-me. Deixei os olhos no mar. O que encontrei nessas águas? Um fundo tão fundo como o meu próprio silêncio. Abracei-me então a uma vaga e a maresia falou-me. Vens comigo porque é esse o meu desejo. E eu fui, comandado pela maré que me acolheu.

JEO

Ainda

Há sempre um tempo. Uma verdade. Um momento. Há sempre um ritmo. Uma cadência breve. Um respirar. Desbravo esse tempo, essa verdade, esse momento. E o ritmo que descubro revela a cadência breve dos meus dias.

JEO

Desde quando

(c) Antoine D'Agata/Magnum Photos

Misturei sobre a palma da mão duas longas memórias. Confundi ingredientes de passado. O tempo remexido. Os meus olhos. Sensações. Reencontrei-me com quem já não era. E voltei a ser eu. Sobre a minha mão. Arrepio. Fósforo momentaneamente incandescente. Brisa breve. Por onde fui? Onde cheguei?

JEO

Descobrir-te

(c) Ralph Gibson s/d

Porque me olhas assim? Porque me olhas? Desconfias?

JEO

Com essas tuas mãos

(c) Ralph Gibson s/d

Nasce a imagem. Inventa-se um corpo. Um delito da consciência. A transfiguração que acontece é contrabando. Cópia infiel. Porque o que antes era deixou de o ser nesse momento. Reinventar o que seja é interpretar, encenar, recriar, mentir dizendo. Socorro. Nada do que vejo é verdadeiro.

JEO

Espaço em branco

(c) Raymond Depardon/Magnum Photos s/d

Estas palavras não foram escritas aqui. Não estão neste lugar. Este ecrã não existe. Nada do que vês neste momento é o que vês neste momento. Tu não estás aí. Não respiras, nem esbugalhas os olhos. Não estás cansado. Não és. Quem és?

JEO

Encontros

(c) Alex Majoli 2004

São raros os momentos em que respirar é acto livre, se bem me entendes. São ainda mais raros os instantes que revelam que te faz falta respirar, percebes? Procura-os, combate-os e abre os pulmões à saciedade, ouves? Não queiras perder o fôlego ou, ainda pior cenário, o próprio sentido da vida. Concordas?

JEO

Adiro ao mundo sem respirar

Cansado. Morto. farto.

O fardo dos dias pesa como chumbo

e já nem a força da vontade me empurra para a frente

Levanto os braços ao tecto

rastejo por entre grãos de pó, incontáveis

quero, também eu, ser pó que me liberte

Adiro ao mundo sem respirar

Bocejo por prever de antemão o meu próprio futuro

lágrimas de sal sem mar nem ondas

Sujeito-me ao mínimo de mim

E assim, recluso do meu corpo exasperado,

fraquejo. Falta-me a chave do teu dorso.

Faltam-me os teus olhos

Que procuro para onde quer que me volte.

faltam-me os olhos.

Onde estou nesta manhã?

Quem me liberta do grito?

de onde virá quem me salve deste medo?

De que onda, de que mar?

Salvem-se, ao menos, os meus olhos,

para que voltem a chorar quando te fores.

Grito, maldito,

Até à rouquidão total e última

no vértice deste fôlego que me resta

Do eco que me chega

Não vejo notícias novas, nem nuvens

nem outra coisa qualquer que me alivie

Porque o meu eco é surdo, mudo e cego

e cambaleante de vontade

retrai-se nas paredes que me falam

Retiro tudo o que disse até agora

Volto costas às palavras

E faço beicinho

para que o eco me devolva tudo o que é meu.

(Texto escrito em Outubro de 1996)

JEO