Andy Mckee "Há mais numa viola do que você imagina". Parece um spot publicitário, mas aqui não há mentira nem sedução. O que parece, de facto, é ser quase mentira que este senhor possa "roubar" àquele instrumento o som que aqui se pode ouvir. Fiquei siderado. Dizer fabuloso é pouco. Genial.

Dito

O que aqui me traz são memórias. O que daqui me tira serão esperanças. Recordar. Esperar. Verbos apenas?

E se de repente?

(c) Bruno Barbey "Portugal", in Out of Stock 1993

Tudo nos pode acontecer de repente. Esperar e, de repente, ver. Avançar e, de repente, ter. Chorar, e de repente, calar. E se de repente tudo te acontecer? E, a propósito de nada, apeteceu-me escrever o que alguém que anda pelo Inferno com uma cerveja na mão disse em tempos:

"Há qualquer coisa de estranho em tudo o que é belo" - J. A. Rimbaud.

De amar

Ata-me a ti, se fores corda. Prende-me, se fores fechadura ou cadeado. Mantém-me contigo até que se desaperte o nó que nos tolhe os movimentos. De afagar, de beijar, de morder, sorrir, falar, contar, andar, olhar, amar. De amar.

Estes sons...

Idrissa Cissoko é um rapaz como tantos outros. Poucos o ouvem ou vêem. Um filmou-o e partilhou-o com o mundo através da tecnologia do vídeo caseiro. Aquele instrumento que se vê, uma espécie de abóbora seca com uma cana espetada, soa tão simples, tão simples, de tão belo. Chama-se "Kora". Outros sons.

O outro

Um rapaz triste numa cidade tão triste como o espírito que o habita. Comungam, mesmo assim, de uma cumplicidade que se não explica. Que acontece a cada um deles - ao mesmo tempo - e se dilui, entrecruzada por fraquezas de espírito ou paredes escorridas de chuva, tão tristes como o seu cabelo rapado. Curto. Inexistente.

Existem um para o outro como estranhos. Ele calca-lhe as calçadas. Ela deixa-se possuir por esses passos divagantes, incertos por vezes. Amam-se sem saberem sequer que se conhecem absolutamente. Ambos são peças mínimas de um puzzle de que nem sequer desconfiam da existência. Habitam-se, calmamente, tão bem ou melhor que o caracol que ocupa a casca.

Se a consciência existe aqui, chama-se inconsciência. A cidade e o rapaz triste acomodam-se ao ritmo dos dias. Serão estes, porventura, quem os moldam - a ambos - mais do que o contrário.

Acordar não custa. O mais difícil é despertar para a manhã. Reconhecer-se, a si mesmos, rapaz e cidade, depois da moribunda aparência do sono de uma noite. A par, vingam-se desse estado de confusão matinal com banhos de água. A par, sempre que chove ou a torneira jorra, fiel ao propósito para que nasceu: verter esse líquido pálido e frio que, só aquecido, os corpos suportam.

O rapaz triste e a sua cidade gémea entrecruzam-se numa esquina, a caminho do emprego. Onde trabalha a cidade? Pergunta-se também o que poderá fazer um rapaz triste nesse labirinto pegajoso de ruas e avenidas.

Crescerá - porventura - a dúvida se se disser que ambos alimentam sem custo a tristeza de que padecem? De onde lhes vem essa vontade de manter intacta essa marca que a ambos confunde? Funde?

O rapaz triste não se importa com o passar dos dias. Talvez já nem seja rapaz. A cidade, essa, finge-se impedida de sentir e camufla a tristeza com neons, prédios espelhados e candeeiros esguios.

Mascaram-se um ao outro. Protegem-se num silêncio cúmplice que ambos aceitam sem esgrimir argumentos de qualquer espécie.

Mas, ao mesmo tempo, que se igualam e acompanham - numa irmandade que impressiona quem repara -, esquecem-se do que os faz, afinal, acordar a cada nova manhã: o outro. A voragem de pertencerem cada um à outra parte. De partilharem uma visceral necessidade de respirar o ar comum, sem quaisquer reservas e sem receio da partilha.

Cada um é canibal do outro, como se essa fome visceral fosse mais importante que estar vivo.

E, no entanto, esquecem-se de si.

Mais uma vez

Penso-te a uma hora matinal. Enquanto o dia começa a acontecer. Vem. Com ele toda a luz.

Os meus passos, cada um, vogam ao sabor dessa mancha de cores que acordam com o dealbar do dia. Acompanho a chegada do Sol. Faço-me Sol também. Transformo-me em luz e revigoro por isso. Fico novo, outro. Que nunca fui.

Faço-me desconhecido para mim. Para me descobrir mais uma vez.

Ou bem pelo contrário

(c) SLIFT. "Performances", in http://www.slift.blogspot.com/

Preparo-me para mais uma viagem sobre esta folha em branco. Desconheço caminhos, direcções, destinos. Vogo, apenas, à sua vontade. E avanço. Sem pausas. Sem pontos nem vírgulas. Ponto. Afago suavemente a vontade que tenho de sair deste lugar. De estar algures, numa outra página, dentro de um outro universo que não o meu, de agora. Serão desejos sonhados, apenas. Serão fases de uma lua que trago comigo, escondida, e que se manifesta a umas certas horas do dia. Como esta. A minha lua é nova. Prepara-se também para cumprir mais um ciclo do seu círculo. Voga comigo e também ela se prepara para mais uma viagem. Para mais um sonho sonhado de olhos abertos, depois da hora do almoço. Desejaria ser eu, apenas eu, sem máscaras. Sempre. Mas foge-me a força que me devia agarrar a mim mesmo. Escorre, como água, por entre as mãos, incontrolável. Não tenho culpa de ser como sou. Por mais que o não queira. Ou bem pelo contrário.

Avançando

Devagar, devagarinho. Avançando sempre. Esse é o meu futuro. E o teu.

Mesmo não pensando nisso, esse é o ritmo que levamos. Não se pára nunca.

Tanto melhor.

De onde vens, Angola?

© Paolo Pellegrin, 2006

Esta imagem, datada de Maio de 2006, é da autoria do repórter fotográfico Paolo Pellegrin. É um rapaz da Magnum Photos que foi ver o lado de trás da capital angolana. O triste lugar chama-se Bairro da Boa Vista. Irónico, não é? E, lá dentro, há gente como eu e tu.

A reportagem de Pellegrin foi motivada pela epidemia de cólera que grassa em Angola. Tomei a liberdade de traduzir as palavras do repórter. E o jornalista diz o seguinte: “Desde Fevereiro de 2006 que Angola atravessa a pior epidemia de cólera de que há memória no país, com 33 mil casos registados e mais de 1.200 mortes. Dos 16 mil casos ocorridos na capital angolana, Luanda, mais de 13 mil foram tratados pela organização Médicos Sem Fronteiras. A epidemia rapidamente atravessou as fronteiras de Luanda para entrar nas províncias. Até à data, 11 das 18 províncias têm casos relatados. O surto da doença irrompeu do Bairro da Boa Vista, um dos mais pobres bairros de lata do centro de Luanda. Ao longo de 30 anos, durante e depois de 23 anos de guerra civil, Luanda registou um aumento significativo da sua população urbana, com especial incidência nas zonas degradadas. Luanda foi atingida de forma particularmente grave por esta epidemia: mais de metade das pessoas infectadas vivem na capital e 20 por cento das mortes aconteceu aqui. Não há um único canto nesta vasta cidade que tenha sido poupado pela epidemia”.

Um dia depois nada mudou

Retiro os óculos e proponho-me, mais uma vez, avançar perante esta página em branco. Desafios infinitos me esperam. Paisagens, sons, ventos, augúrios, amores, desamores, portas abertas, montes, mares... E não sei o que dizer neste momento. Bloqueio, enclausurado sob os muros que eu próprio criei em meu redor. E que, contudo, me protegem.

Mas, afinal, o que procuro? Que palavras pretendo descobrir, que pensamentos? - O acaso?, o ocaso? Que papel desempenho eu neste teatro, erguido e encenado pela minha própria mão? Que desfecho encerrará esta peça?

Para quando o fim de todo este enredo?

para já!

(Um dia depois nada mudou...)

Bitaites

Há sempre um momento de lucidez que nos acontece. Sou, mesmo que assim não me considere, um "blogueiro". E, nestas artes, também há mandamentos. E estes merecem toda a atenção.

Um abraço para o "multibraços" Marco Santos.

Pequenas pausas

© meninazul. fevereiro 2006. ne me quite pas

Faço pequenas pausas nos meus milagres. Sou ainda jovem e procuro, sem fugir, todas as coisas que não conheço e penso escuras. Todas as pequenas formas. Os movimentos da mão. Enfim, tudo por que uma adolescência tardia se admira.

O amor não é das cidades

Winter city © Juha Lehtomäki Winter cityHeinäpää, Oulu, Finlândia, 2000

Frente aos meus olhos, prédios. De cores vagas e antigas. Desgastados. Pedem amor, estas casas. Pedem, mas ninguém lho dá. Porque o amor, por aqui, é coisa vã, caso perdido. Não existe, nem brota do betume negro das estradas ou da luz dos candeeiros de rua. Por aqui o amor fugiu. Fez-se, porventura, a outros lugares. Deu-se a outras paragens, vagabundo de outras liberdades. O amor tinha sede. Foi beber água a fontes de aldeias, a minas e nos montes. Fez-se ao mundo, sedento de outros ares. Não passou por aqui. E, se passou, fez-se invisível, para não ser reconhecido. Para que não fosse confundido com as pedras da calçada nem com as persianas corridas das janelas. O amor não é das cidades. É fruto, seiva, caule e raiz do perfume das searas. O amor é na gândara livre. Na cor fria, lúcida e transparente dos riachos. O amor veste-se dos campos, aquece e arrefece ao ritmo de chuvas e estios, não se dilui no betão cinzento dos prédios. O amor quer espaço para saltar de corpo em corpo, de beijo em beijo. Quer-se sadio, firme e desinteressado. Verdadeiro. Entre uma árvore e um arranha-céus escolho o que me dá sombra e alimento, o que reage às tempestades e se balança com o vento. O que precisa de mim para saciar a sede. Escolho o que morre de pé e me dá lume. Nenhum prédio me dá carcódias ou folhas secas ou frutos. Neles morro de fome. Prefiro o amor de uma raiz de castanheiro ao plástico fingido que ornamenta os cantos de uma casa. Nunca beijarei uma parede. Antes uma folha morta de roseira. Mil vezes uma roseira morta a um prédio altivo. Sou ainda eu quem fala aqui.

As portas que Abril abriu

A mão do pintor também encontrou a Liberdade!

Ainda (outra vez)

(c) Henry Cartier-Bresson, Magnum Photos

Porque te custa abrir os olhos? Porque te dói? Inventa emoções, inventa amores, desmultiplica-te. Faz-te outro. Reconheces-te ainda? JEO