O amor não é das cidades

Winter city © Juha Lehtomäki Winter cityHeinäpää, Oulu, Finlândia, 2000

Frente aos meus olhos, prédios. De cores vagas e antigas. Desgastados. Pedem amor, estas casas. Pedem, mas ninguém lho dá. Porque o amor, por aqui, é coisa vã, caso perdido. Não existe, nem brota do betume negro das estradas ou da luz dos candeeiros de rua. Por aqui o amor fugiu. Fez-se, porventura, a outros lugares. Deu-se a outras paragens, vagabundo de outras liberdades. O amor tinha sede. Foi beber água a fontes de aldeias, a minas e nos montes. Fez-se ao mundo, sedento de outros ares. Não passou por aqui. E, se passou, fez-se invisível, para não ser reconhecido. Para que não fosse confundido com as pedras da calçada nem com as persianas corridas das janelas. O amor não é das cidades. É fruto, seiva, caule e raiz do perfume das searas. O amor é na gândara livre. Na cor fria, lúcida e transparente dos riachos. O amor veste-se dos campos, aquece e arrefece ao ritmo de chuvas e estios, não se dilui no betão cinzento dos prédios. O amor quer espaço para saltar de corpo em corpo, de beijo em beijo. Quer-se sadio, firme e desinteressado. Verdadeiro. Entre uma árvore e um arranha-céus escolho o que me dá sombra e alimento, o que reage às tempestades e se balança com o vento. O que precisa de mim para saciar a sede. Escolho o que morre de pé e me dá lume. Nenhum prédio me dá carcódias ou folhas secas ou frutos. Neles morro de fome. Prefiro o amor de uma raiz de castanheiro ao plástico fingido que ornamenta os cantos de uma casa. Nunca beijarei uma parede. Antes uma folha morta de roseira. Mil vezes uma roseira morta a um prédio altivo. Sou ainda eu quem fala aqui.

As portas que Abril abriu

A mão do pintor também encontrou a Liberdade!