Verbo na carne

Há verbo demasiado na carne das palavras
que ficam com ele incandescendo

Há vergastadas na pele activa
com que se trajam, ruidosas.

O verbo — essa coisa de fazer.

Há excessiva velocidade no que fica dito
assim feito formação rochosa para sempre.

Antiga como a própria água
a carne já se esquece do verbo caudaloso.

E é por isso que os lagos são pele
da pele lascada das palavras. 
Fevereiro, 26, 2012

Sobra-te o cabelo pela tarde

Sobra-te o cabelo pela tarde
e o rio escorre, pedra a pedra
em chorada alegria horizontal
e o rio escama das margens,
em recado leva-te uma nova,
uma mensagem
- que os prados são verdes
às quatro da tarde livre.
 
Março, 2012

A uma quinta-feira

Há o hálito suspenso dos teus lábios
uma névoa de amor que se dissipa

Há um suor para sempre recordado
uma fome inexistente que se excita

Há a quinta-feira breve atordoada
uma memória benigna do que fica

Há um pleno desejo, um pleno transe
um copo esmaga a sede e acredita.

O que nos move

Não é o eco da fome
      o ribombar da sede
      o espasmo do calor e do frio
      a lenta fúria do cansaço

 
É o dilacerar do toque
      o desgoverno do beijo leve
      o bom estremecimento, a pele em fio
      o querer querer o são regaço

 
                              o que nos move.

Areia, dança, mil


És a areia, o mar e a montanha
os pinhais todos do mundo
gotejando verde.

                      És a dança, o corpo, a lenha
                      longa miríade de vozes
                      sulcando pele.

És mil, o infinito transe, a vela
piano aberto aos olhos
tocando leve.






Março, 8, 2012

Espaço aos elementos

Primeira colaboração com 
a revista online «Mutante»
de Novembro de 2010. 
Edição centrada 
no tema «Espaço», com 
concepção gráfica 
de Sandra Afonso. 
A olhar e ler 
entre as páginas 10 e 12.

Noite mutante

«Noite mutante». 
Texto que resulta 
de mais uma colaboração 
com a magazine online 
«Mutante», n.º 7, 
de Março de 2011, 
centrada no tema «Noite»
Palavras e fotos 
da minha lavra, 
a ler e ver 
nas páginas 48, 49 e 50.

Viagem mutante

Nove pequenos textos, 
e outras tantas fotos, 
centrados no tema 
«Viagem», uma 
colaboração com 
a magazine online 
«Mutante»
edição n.º 8, 
de Julho de 2011. A 
ver e ler 
entre as páginas 32 e 42.

A tua lágrima de todos os dias

«A tua lágrima 
de todos os dias». 
Colaboração 
na edição
n.º 9, «Quotidiano»
de Outubro de 2011, 
com a magazine 
online «Mutante»
A ler e ver 
nas páginas 65 e 66.

Amor sem beijo

O dia explode, carregado de opacas incertezas.
A imagem difusa, a reticência
espiam, nas esquinas da memória,
a base do que ontem era verde
e se dizia. Das altas fragas
cai um silêncio que transborda
das veias sopradas dos pinhais, o murmúrio
das sombras visitando o verde.

E há um vento a mergulhar
inteiro sob as pontes que vão
da ponta à ponta dessas fragas. É aragem
livre que explode também em alegria
sem corpo. Agora amor sem beijo.

O dia futuro ninguém o sabe, não há
quem lhe fixe partitura, nem maestro
comandante que o defina.

Revela-se o dia como vidro
fosco, gotejando uma indefinição confusa
espalhada pelas mãos
sobre o meu rosto.

(o poema, escrito na manhã de 6/3/2012 e dito pelo autor, pode ser ouvido aqui)
http://en.blaving.com/jakimoliveira/p/375544/Amor-sem-beijo-%28JEO%29

Uma a uma, tentações

Uma colaboração com 
a magazine online 
edição n.º 10 «Tentação»
editada em Dezembro de 2011.
Oito pequenos textos
a ler e ver entre as páginas 
47 e 63, com a presença das 
belíssimas fotografias 
de uma amiga: Diana Mendes.

Amanhã revelarás tudo o que ouviste


 Amanhã revelarás
tudo o que ouviste
pela frincha da porta
atordoada.
São dormências
errâncias
cicatrizes
quanto ouves
quanto dizes
quanto guardas.

s/ tit. II



amas                                       amas                                                    amas
desconhecendo a tua pele      cumprindo a preceito o desconforto    vegetando emoções e fé
ou os teus passos                   não gostas do teu nome                      e ao desgoverno dás as mãos

amas                                inadvertidamente                         o teu cabelo                      que enfraquece.





Fevereiro, 2012

Corpo


acompanho a sombra.
o traço nasce
instante novo.
hesitação. 
depois o vento
e o silêncio
ficam
como sombras das partidas,
mas só na zona escura
olhados,
mas só no vento
ouvidos.
faz-se sempre tarde
num corpo
abraçado ao coração.





s/ tit. I

O tempo é isto
o nada
a eternidade
a lenta paciência de uma árvore.

O tempo é tudo isto
um estranho efeito
um ciclo sempre e nunca consumado
o corpo rarefeito
acobardado.

Ainda aqui estou
ainda há tempo
para construir o absurdo
e ser perfeito.






(para ler em voz alta)

#

Não. Não pertence às mãos este querer. Sim.

Não. Nem às pontas frias dos seus dedos. Sim.

Não. Não sabe a doçura o já não ter. Sim.

Não. Nem a aspereza sabe a tanto medo. Sim.
 

#

acção

#
abraça o estranho

entrega um corpo

aquece o sono

amaina um barco

encontra o ponto

levanta um astro

desfaz o laço

atira um seixo

acolhe o beijo
 

#

Ferro inabitável

#
Encontrei o abraço no frio ferro
dei-lhe um beijo grato
dele brotou então um coração
alto relevo
zinco
azoto
e combustão.

Devolveu-me o abraço
e o beijo
e cirandou voando
ligeiro
num corpo etéreo de nuvem
de ferrugem cor do cobre.

Ferro inabitável. 


#

Aos teus lábios

#
Aos teus lábios
Matinais
Rosados
Entreabertos
Redondos
Cansados
Que agora vão
Ergo a taça da memória
O copo da boca
O cristal e o beijo húmido da carne
E bebo de um trago
A noite inteira que me deste.
#

Como ocupas tu as tuas mãos?

#
como ocupas tu as tuas mãos?
que lhes dizes
à tarde?
ao vento?
à noite?

de onde te vêm as histórias?
que lhes dizes
à tarde?
ao vento?
à noite?

qual a sua cor?
e que lhes dizes
à tarde?
ao vento?
à noite?
#

As margens unem pontes

#
e eu choro antecipadamente o teu regresso
todas as lágrimas se despem, felizes

da espuma do futuro que lhes dás...
e o corpo que carrego revigora, feito

do sangue bombeado em fulvo espasmo.
aguardamos a morte na distância

tacteando imagens sobre sombras
e a muralha a construir entre beirais.

choro antecipadamente o adeus que lançarás
ainda antes de que chegues à partida

o fruto caído aos pés da torre
não acredita que as margens unem pontes.

recebo-te com adeuses, que te vais
chegando, mais, mais longe. mais.
#


(trecho do poema «13 dias»)

As horas

#

Onde vives tu

meu sangue

meu rio

meu ar constante


Onde acabas

é de onde  o teu fôlego

de que universo vem

a tua seiva


Sabe-me

sabe-me por dentro

diz o meu nome

diz-me o voo do insecto

diz-me a noite


Como contas os dias

quando acordas


Leva-me

dos meus medos

de mim mesmo

de onde estou

das minhas horas


Salva-me

de ser ainda cedo

do meu sangue

do que digo


Reclama para ti

as minhas mãos

o meu cabelo raro

aqueles passos


Sê meu alimento

a minha água

o meu caminho


Deixa avançar sobre o castelo

todas as armas

o inimigo

o fim da glória


Silêncio amado

acorda

que amanheço.
#



(também aqui)