Território de lobos



Soalheira, Outubro, 2010



Descanso em território de lobos e ovelhas. Entre pinheiros bravos e colossos de granito. Sento-me e o sol avança mais um pouco, senhor da vida toda, do momento. Que saudades hei-de eu ter destes instantes, quando o futuro vier comprar-me o que não tenho...
#

Outro passo, novo rumo


#
Sinto apertados os cabelos. Passa-me um vento invasivo sobre a face. Encolho os olhos para os proteger desse intruso ainda silencioso e invisível. Nasce o arrepio. Dei dois passos entretanto, pisei um novo chão, tracei um rumo. Amadureci na vida. Foram dois segundos, apenas, dois segundos. E tudo mudou. Serei já outro nesse entretanto imperial, invisível também mas presente como nenhuma outra presença. Fosse a minha vida numa arena e eu protestaria da injustiça dessas regras do jogo que dão ao adversário o poder de não se dar a ver, de atraiçoar, de bater sem pré-aviso e de com isso me fazer mais velho, mais fraco, menos presente. Outro passo, novo rumo. Mas, afinal, ando perdido?
#



Entre vírgulas e pontos


#
Perfume de nenhures, almas, silêncio. Sombra.
Sideral, livre, em branco, público, interior, de tempo. Espaço.
Literal, aprisionado, preenchido, exterior, vácuo. Negro.
Procura, interrogação, busca, digestão, confusão. Vazio.
Dúvida, desprezo, mágoa, saliência, curva, saída. Morte.
Luz, paisagem, flor vermelha, lírio, terra, onda, vento. Vida.
Gume, dedo, corte, dor, sangue, espasmo. Cura.
Mão, outra mão, olhares, toque, afago. Beijo.
Medo, corpo, velocidade, suor, angústia, pressa, frio. Fuga.
Vertigem, cume, verde, pedra, monte, impulso. Salto.
Divisória, estupor, território, amor, fronteira, dor, linha. Nada.
Nascente, início, parto, origem, espasmo, suspiro. Fim.
Jogo, falácia, regra, caminho, vitória. Mito.
Dança, sala, convite, encontro, enfado. Desamor.
Raso, muito, caso, fruto, raro, fortuito, caro. Fio.
Nascente, ocaso, fio, vaso, suco, prazo, vil, acaso. Coito.
Golpe, traço, murro, abraço, ordem, passo. Grito.
Conto, oito, sempre, escasso, sobra, tudo, mostra. Vago.
Pico, morse, saco, trilho, velho, gomo, guerra. Sede.
Cova, grão, caule, pétala, asa, voo, longe. Terra.
#

 

Entre dois


#
De longas e intermináveis perguntas é desenhado o perfil de cada um de nós. O meu. O teu. E do entretanto, o que é feito? Do que fica a meio de nós dois? Será de sombras e vento limpo, de cascas de pinheiro, terra batida ou uva pisada isso que fica? Onde não estamos, o que há? Perfume de nenhures, almas, silêncio. Sombra. Gosto do que me dizes, quando o dizes. Esse é momento em que o estar parado das coisas não tem lugar. Esse é o máximo e o mínimo encontrados. Nesse entretanto sei-te aqui e isso me basta. Não vou passear, não saio para respirar nem para matar a sede, não necessito do mais que haja, se o houver. Porque me deste o que me falta. Amordaça o que digo e vê se daí sobeja ainda um sopro de ar. Vê lá. Sobrou? Viemos de um lugar qualquer que nem sonhámos e aqui somos, soldados de um posto que não quisemos e de que só pretendemos fugir. Corre. Vem por aqui, pisa sobre as marcas que deixei e engana o mundo inteiro que cegamente te persegue. Não é bom? Que bem que sabe, esse fugir silencioso que te dás. Dá-me o teu espaço em troca dos meus pés. A longa corda do meu caminho haverá de pertencer-te – cada memória, os meus dias, o fôlego que já gastei. O respirar. Dou-te tudo a troco de um lugar que desconheço e quero meu. Aceitarás o que te peço? Mas, afinal, o que te dou?
#