Amanhã revelarás tudo o que ouviste


 Amanhã revelarás
tudo o que ouviste
pela frincha da porta
atordoada.
São dormências
errâncias
cicatrizes
quanto ouves
quanto dizes
quanto guardas.

s/ tit. II



amas                                       amas                                                    amas
desconhecendo a tua pele      cumprindo a preceito o desconforto    vegetando emoções e fé
ou os teus passos                   não gostas do teu nome                      e ao desgoverno dás as mãos

amas                                inadvertidamente                         o teu cabelo                      que enfraquece.





Fevereiro, 2012

Corpo


acompanho a sombra.
o traço nasce
instante novo.
hesitação. 
depois o vento
e o silêncio
ficam
como sombras das partidas,
mas só na zona escura
olhados,
mas só no vento
ouvidos.
faz-se sempre tarde
num corpo
abraçado ao coração.





s/ tit. I

O tempo é isto
o nada
a eternidade
a lenta paciência de uma árvore.

O tempo é tudo isto
um estranho efeito
um ciclo sempre e nunca consumado
o corpo rarefeito
acobardado.

Ainda aqui estou
ainda há tempo
para construir o absurdo
e ser perfeito.






(para ler em voz alta)

#

Não. Não pertence às mãos este querer. Sim.

Não. Nem às pontas frias dos seus dedos. Sim.

Não. Não sabe a doçura o já não ter. Sim.

Não. Nem a aspereza sabe a tanto medo. Sim.
 

#

acção

#
abraça o estranho

entrega um corpo

aquece o sono

amaina um barco

encontra o ponto

levanta um astro

desfaz o laço

atira um seixo

acolhe o beijo
 

#

Ferro inabitável

#
Encontrei o abraço no frio ferro
dei-lhe um beijo grato
dele brotou então um coração
alto relevo
zinco
azoto
e combustão.

Devolveu-me o abraço
e o beijo
e cirandou voando
ligeiro
num corpo etéreo de nuvem
de ferrugem cor do cobre.

Ferro inabitável. 


#

Aos teus lábios

#
Aos teus lábios
Matinais
Rosados
Entreabertos
Redondos
Cansados
Que agora vão
Ergo a taça da memória
O copo da boca
O cristal e o beijo húmido da carne
E bebo de um trago
A noite inteira que me deste.
#

Como ocupas tu as tuas mãos?

#
como ocupas tu as tuas mãos?
que lhes dizes
à tarde?
ao vento?
à noite?

de onde te vêm as histórias?
que lhes dizes
à tarde?
ao vento?
à noite?

qual a sua cor?
e que lhes dizes
à tarde?
ao vento?
à noite?
#

As margens unem pontes

#
e eu choro antecipadamente o teu regresso
todas as lágrimas se despem, felizes

da espuma do futuro que lhes dás...
e o corpo que carrego revigora, feito

do sangue bombeado em fulvo espasmo.
aguardamos a morte na distância

tacteando imagens sobre sombras
e a muralha a construir entre beirais.

choro antecipadamente o adeus que lançarás
ainda antes de que chegues à partida

o fruto caído aos pés da torre
não acredita que as margens unem pontes.

recebo-te com adeuses, que te vais
chegando, mais, mais longe. mais.
#


(trecho do poema «13 dias»)

As horas

#

Onde vives tu

meu sangue

meu rio

meu ar constante


Onde acabas

é de onde  o teu fôlego

de que universo vem

a tua seiva


Sabe-me

sabe-me por dentro

diz o meu nome

diz-me o voo do insecto

diz-me a noite


Como contas os dias

quando acordas


Leva-me

dos meus medos

de mim mesmo

de onde estou

das minhas horas


Salva-me

de ser ainda cedo

do meu sangue

do que digo


Reclama para ti

as minhas mãos

o meu cabelo raro

aqueles passos


Sê meu alimento

a minha água

o meu caminho


Deixa avançar sobre o castelo

todas as armas

o inimigo

o fim da glória


Silêncio amado

acorda

que amanheço.
#



(também aqui)