Para onde fomos?
Mas não é hoje o quê?
Não é hoje. Nem talvez nunca. Mas não é hoje o quê? Que decisão tenho de tomar? O que tenho de fazer? Quais são as minhas próprias directivas? Sentir o vento? Dar uma volta? Ter uma casa? Será? Será esse o meu desiderato?
Não, não é isso que quero para mim. Quero apenas chegar a um sítio qualquer onde me sente e olhe e mansamente diga, de mim para mim, 'Boa tarde'.
Sem sequer olhar
Dez da noite
De tudo o mais faça-se pó
Uma luz morna irrompe sobre as costas da floresta. Um ganir de cão sobressalta pombas esquecidas de deus. Miserável crime. O abandono. Respirar nessa hora é cumprir o mais puro egoísmo. É ser-se deus também. Matem-se as pombas. De que mais nos socorremos quando o transe, a angústia e o medo nos agrilhoam? À morte. À morte dos outros. Massacre! Desfaçam-se todas as pedras; amontoem-se os escombros e juntem-se-lhe os ratos mortos. Restos. Despejem-se em qualquer lugar os despojos dessa fúria incontida, moribunda. Deus há-de ser testemunha dessa festa. De tudo o mais faça-se pó.
(Texto escrito em Março de 2003)
Apetece-me escrever-te a cada vez que te penso. Por todo o lado, onde quer que me encontre, desejaria escrevinhar para ti, da mesma maneira que desejo estar no lugar para onde quero ir. A rua, principalmente, é onde mais me apetece falar-te por palavras escritas. Na maior parte das vezes não trago caneta, nem papel, nem spray de cores com que pudesse manchar paredes. Para ti.
Interrogo-me se o teu silêncio é esquecimento ou desamor. Ainda espero, acredita, que me digas alguma coisa, mesmo nada, mas que separes pelo menos por mais uma vez, esses teus dois fios de lábio por onde te saem as mentiras que me contas. Conta-me, vá lá, mais uma das tuas histórias de cavalos. Conta-me esses teus olhos de chinesa que nunca gostaste de reconhecer. Caso contrário, contarte-ei eu uma das minhas.
Será que tenho alguma?
(Lisboa, Dezembro de 1996. Foto: (c) Pedro Salgado, Lx, s/d)