Alberto Caeiro revisitado

Apetece-me ler um pouco. Ler é bom. Porque há lá, dentro dos livros, mundos novos e sóis que nunca se põem. Podemos ler de noite e ver o Sol. Isso é muito bom. Aquece-nos a cara quando ficamos com sono. É.

Eu não queria dizer mais nada. Mas as palavras nascem de uma vontade que eu não conheço e que talvez me domine, sem eu saber. Não conheço essa vontade e não a domino, da mesma forma que o mundo não domina o vento e o calor. Senão conhecia-se a si próprio.

Ainda me apetece ler um bocadinho. Mas penso naquelas pessoas a quem vai apetecer ler aquilo que agora escrevo, o que eu escrevo, um dia. Penso nelas e só nelas. Porque não sou egoísta. E porque gosto de escrever, assim como gosto das coisas e gosto só um poucochinho do pôr do Sol. O pôr do Sol é vadio. Nunca tem casa. Não se aninha numa montanha porquê? Também deve ter frio, como as minhas mãos. Talvez por ser muito grande. Tudo o que é grande deveria sentir frio, porque o vento bate mais e a chuva molha em maior quantidade. Eu não quero ser grande.

Não gosto muito do frio. As minhas mãos não falam, mas eu sei que têm mais frio do que eu. Às vezes gostava de ser as minhas mãos e andar lá, por cima dos braços esticados e mergulhar nas arcas velhas quando se anda à procura de um cobertor mais macio que nos tape à noite. Elas conhecem um mundo diferente do meu. Elas, as minhas mãos, sentem a textura das coisas quando tocam só de leve, quase sem sentir. Conhecem outras mãos de outros corpos quando há um aperto de mão.

Ah. Elas conhecem tanta coisa. Que eu nem imagino. Imaginar é bom. Por isso eu gosto das minhas mãos.

Se não fosse por isso eu gostava delas na mesma.

(Texto escrito em 1990)

JEO

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