À espera da próxima vez de respirar

Brassaï - Brouillard, Avenue de l'Observatoire posters

(c) Brassaï - Brouillard, Avenue de l'Observatoire

Percorre-me uma hora nocturna. Saio. Desinfecto-me do mundo. Há por aqui oxigénio que chegue para sufocar um pouco menos. Neste ambiente subterrâneo encontro todas as frases. Todas as imagens. E fico-me por aqui. Sentado, à espera do próximo metro.

À espera da próxima vez de respirar.

Se não sufoco é porque não quero morrer agora. Mesmo. Esta agonia é passageira, apesar de tudo. Breve e passageira.

Ainda é noite aqui por baixo. Noite eterna, porventura.

Passam caras. Passam passos arrastados num silêncio velado, que não meu. Passam, abraçados, namorados, no compasso dos passos que se dão. E dos beijos que prometem com os olhos.

A esta hora, o ritmo do mundo marca-se com rugido de comboios, luz de túneis e linhas de carris. A esta hora já não há quem seja humano. Aqui dentro (debaixo) tudo é máquina, ruído e luz. Ruído e luz. E eu estou lá dentro. Faço-me máquina também.

Procuro sensações. Procuro imagens. Tudo me foge perante o sono. Tudo me escapa a este ritmo. Vou perder o próximo autocarro. Ainda há homens que se arrastam, limpos, penteados, bem vestidos. Farejam a vida com mãos cegas. Afinal, a vida é que anda atrás deles. Ronda-os o prazer de sentir felicidade. Ronda-os apenas. Não os toca. Não os quer. Nem os toma, jamais, para si.

Vou sair deste túnel. Regresso à vida. À superfície. Faço-me sozinho. Percorro as minhas avenidas. Aqui o ar seria menos poluído sem os carros-humanos-que-são-máquinas.

JEO

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